Sem gasoduto, uso de rodovia é alternativa no Norte

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O esvaziado leilão de reserva de capacidade promovido pelo governo federal semana passada colocou em xeque a viabilidade de projetos termoelétricos no interior do Brasil. Esta primeira rodada previa a contratação de 2 mil megawatts (MW) no Norte e Nordeste, mas apenas 729 MW foram negociados, graças ao gás do Amazonas, que permitiu que projetos fossem viabilizados.

A questão logística ainda é um desafio. Com a malha de gasodutos de transporte de apenas 9,5 mil quilômetros e quase toda concentrada no litoral, o certame tinha a intenção de fomentar a construção de novos dutos.

Hoje, o combustível da Termelétrica Jaguatirica II (140 MW), da Eneva, chega por estradas em carretas em uma megaoperação envolvendo 84 veículos, que levam diariamente 800 mil m3 de gás natural em tanques criogênicos do campo de Azulão, na Bacia do Amazonas, até a usina. Controlada do grupo Coencil, a Virtu GNL é a responsável. O antigo presidente da Aegea, Hamilton Amadeo, deixou o setor de saneamento e assumiu recentemente como CEO da empresa e aponta o gargalo de gasodutos como uma oportunidade.

“A maioria dos players ainda não sabem que isso é viável. Todo mundo está focado em, gasoduto em nas próprias operações. O empresário que tem um campo de gás muitas vezes está reinjetando porque ele não tem como transportar”, diz Amadeo.

Hoje, o Brasil tem menos de 9,5 mil quilômetros de gasodutos, segundo Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Já os dutos de distribuição são quase 41 mil quilômetros, de acordo com a Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás).

O gargalo é pior no Norte: são apenas 802,1 quilômetros de dutos de transporte. A dificuldade de licenciamento ambiental e prazo de amortização inviabilizam dutos de transporte, mas podem abrir mercado para a Virtu.

Do campo de Azulão, nas cidades de Silves e Itapiranga, no Amazonas, até Boa Vista, em Roraima, cada carreta roda 1.100 quilômetros. O executivo diz que os custos são competitivos em distâncias acima de 200 quilômetros.

Dado o desafio logístico da região, a empresa precisou montar a própria infraestrutura de suporte em operações ponto a ponto, com equipamento dedicado ao apoio, como guinchos, ambulâncias e veículos de inspeção. “Uma operação desta requer mais ou menos R$ 100 milhões de capex. Nós temos uma rodando e temos duas em implantação”, afirma.

O processo é feito com criogenia, que envolve liquefação, estocagem, transporte e regaseificação em pequenas escalas. Amadeo explica que a liquefação reduz o volume em 600 vezes permitindo, facilitando o transporte.

“Estamos em fase final de viabilização de uma joint venture com a Eneva para desenvolver estas alternativas. A Eneva entendeu que muito do gás dela vai precisar deste conhecimento”, informa.

São 212 localidades isoladas no Brasil, a maior parte na região Norte. O consumo é baixo e representa menos de 1% da carga total do país, suprida, principalmente, por térmicas a óleo diesel. Amadeo enxerga como oportunidades de mercado, além da vantagem do uso do gás, menos poluente.

Roraima é o único estado da federação fora do sistema elétrico integrado do país. O Estado era atendido pelo Linhão de Guri, da Venezuela, mas a estrutura foi desligada e a energia de Roraima depende de termelétricas. O Linhão de Tucuruí, que liga Manaus ao Estado, é promessa de diversos governos, mas o empreendimento esbarra na questão indigena, já que parte do trajeto corta a reserva Waimiri Atroari.

O governo diz que um novo acordo judicial permite a retomada das obras da linha de transmissão entre Manaus e Boa Vista.

A Eneva foi uma das vencedoras do último leilão e terá que construir um novo empreendimento para entrar em operação até o final de 2026. O executivo da Virtu afirma que os serviços da empresa têm sinergia com novos projetos de geração em regiões não atendidas por gasodutos, porém a Eneva tem outros planos.

A operação Azulão-Jaguatirica, nada muda. A empresa vai continuar o transporte rodoviário do GNL do Amazonas até Roraima. Entretanto, há intenções diferentes para os novos empreendimentos.

“Para as novas termelétricas que serão construídas no Complexo do Azulão, muito provavelmente serão construídos pequenos gasodutos dentro da operação da Eneva, para levar dos poços até as usinas de geração em si”, disse em nota.

Neste leilão de Reserva de Capacidade, o lobby do congresso em criar uma demanda artificial que não apareceu nos estudos de expansão da Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE) recebeu o sinal claro do mercado com a não contratação no Nordeste, tanto que governo reconhece que nem a infraestrutura de gasodutos é a melhor alternativa.

“A movimentação do gás pode ser feita de várias formas. Nem sempre o gasoduto é a alternativa mais econômica. Muitas vezes, são utilizados os modais tradicionais (rodoviário, fluvial, etc) com gás comprimido ou liquefeito, até que se ganhe escala suficiente que justifique economicamente os pesados investimentos que requer um gasoduto. Na região amazônica, é ainda mais desafiador por conta de questões ambientais”, disse o Ministério de Minas e Energia, em nota.

Fonte: Valor – https://valor.globo.com/empresas/noticia/2022/10/05/sem-gasoduto-uso-de-rodovia-e-alternativa-no-norte.ghtml