Uma das principais etapas até que o maior terminal de carga do Porto de Santos possa ser leiloado pode ser concluída em breve. O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (MPTCU) emitiu parecer pedindo que o leilão do Tecon Santos 10, antigo STS-10, seja realizado em fase única, sem restrições a operadores que já atuam no local – o que alteraria o desenho proposto até então. O documento foi juntado ao processo na última quinta-feira (30/10).
A manifestação do MPTCU é considerada o último passo legalmente necessário para que o ministro relator, Antonio Anastasia, possa, enfim, apresentar seu voto ao plenário da corte de contas. Isso, no entanto, não tem uma data para ocorrer — o que poderá arrastar para o ano que vem o leilão daquele que deverá ser o terminal com maior capacidade de movimentação de contêineres do país.
A principal questão do processo é se a concorrência será livre ou em duas fases. Neste último caso, empresas que já operam terminais em Santos não poderão participar da primeira rodada — o que tiraria da disputa algumas das principais empresas marítimas do mundo, mas evitaria que alguma delas concentrasse a maior parte do mercado. Assim, elas entrariam no certame na eventualidade de um fracasso na tentativa inicial.
O parecer, assinado pela procuradora-geral do MPTCU, Cristina Machado da Costa e Silva, vai na linha do que já foi considerado pela unidade técnica da corte, a AudPortoFerrovia, no começo de outubro. Ou seja, que o formato em duas fases, na prática, impediria a verdadeira participação dos operadores atuais.
“Não foram demonstrados efeitos anticoncorrenciais concretos no mercado pós-leilão que justificassem a exclusão de players relevantes, especialmente porque, no caso dos incumbentes armadores, a obrigação de desinvestimento cogitada pela área técnica da Antaq [Agência Nacional de Transportes Aquaviários] gera efeitos estruturais suficientes para fomentar a futura rivalidade entre os grupos verticalizados no mercado”, escreveu a procuradora-geral.
O posicionamento do MPTCU se contrapõe às posições oficializadas pelo Ministérios e Portos e Aeroportos (MPor) e pela Antaq, que querem o leilão em duas fases.
O argumento é de que haveria risco de concentração de mercado caso Maersk, MSC ou CMA-CGM levassem o megaterminal. Essa é a mesma posição de outras empresas marítimas que também desejam participar da disputa e não atuam em Santos.
A CMA-CGM é responsável por 42% da movimentação total do porto (2,3 milhões de TEUs, medida de contêiner), seguida da BTP/Maersk-MSC (34% do manejo de cargas ou 1,8 milhões de TEUs) e DP World (24% ou 1,2 milhões de TEUs). Os dados são de 2024, do estatístico aquaviário da Antaq.
No ano passado, as três empresas movimentaram, juntas, 5,3 milhões de TEUs. E o novo terminal, quando completamente instalado, irá acrescentar 3,25 milhões de TEUs à capacidade de Santos. Dessa maneira, se qualquer uma delas levar o novo terminal, controlará mais da metade da capacidade de Santos.
Enquanto isso, de agosto para cá, se manifestaram contra o faseamento a Subsecretaria de Acompanhamento Econômico e Regulação (Seae) vinculada ao Ministério da Fazenda; o gabinete do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC); o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE); além dos órgãos técnicos do TCU e o MPTCU.
Nenhum dos pareceres apresentados pelos órgãos que opinaram a respeito do leilão é vinculante. Ou seja, o relator do caso não precisa seguir o posicionamento de nenhum deles. Da mesma forma, o ministério de Portos e Aeroportos pode apresentar um edital distinto do que aquele que o TCU recomendar. A palavra final, nesse caso, cabe ao Poder Concedente.
A empresa vencedora do leilão arrendará o terminal por 25 anos, podendo prorrogar o prazo para 70 anos, a critério do governo. A projeção é atingir a movimentação mínima anual de 3,25 milhões de TEUs até o fim do prazo de arrendamento. O investimento previsto é de R$ 6,4 bilhões em obras como a construção do cais de atracação e a infraestrutura geral do terminal.
Atrasos constantes
Nenhuma promessa de prazo relativa ao leilão do Tecon Santos 10 foi cumprida desde que a Antaq alterou o formato da concorrência, em maio, sugerindo uma disputa em duas fases, sendo a primeira sem a participação de empresas que já operam terminais em Santos.
Pelo cronograma do governo federal, apresentado no começo do ano na Audiência Pública 02/2025-Antaq, a avaliação do TCU deveria ocorrer entre maio e agosto, com a publicação do edital em setembro e a realização do certame em dezembro.
Contudo, diante dos debates, divergências e pressões em torno da restrição da disputa em duas fases, o relator do caso, Antonio Anastasia, decidiu ouvir todo o setor envolvido antes de se posicionar.
No final de julho, a corte de contas realizou um painel de referência que contou com a participação de dezenas de interessados. Após isso, o ministro pediu manifestação no processo de todas as autarquias, ministérios envolvidos e o Ministério Público. Diversas entidades interessadas, como associações, sindicatos e prováveis concorrentes no leilão, também enviaram documentos.
Como resultado, chegou-se ao início de novembro e Anastasia ainda não apresentou seu voto. Isso ainda não tem data para ocorrer, conforme afirma o TCU. É válido lembrar que, quando o voto sair, ainda precisará ser apreciado pelo plenário. Se existir algum pedido de vista de outro ministro, por exemplo, a data do leilão poderá ficar ainda mais distante.
Uma vez finalizada a etapa no TCU, o processo voltará para a Antaq e para o MPor para a definição final das regras do edital e publicação no Diário Oficial. De acordo com especialistas consultados pela reportagem, o leilão só poderá se realizar pelo menos 30 dias úteis após isso.
Novo prazo?
O governo federal reafirmou recentemente a promessa de realizar o leilão do Tecon Santos 10 ainda neste ano, em dezembro. O ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho (Republicanos-PE), disse, em 22 de outubro, que trabalhava com a expectativa de leilão entre 15 e 18 de dezembro.
Costa Filho já disse que respeitará a recomendação de Anastasia sobre o formato da competição, o que, na teoria, deve acelerar o trâmite da publicação do edital nos órgãos do executivo. Na prática, contudo, armadores internacionais já se preparam para um provável leilão somente no final de janeiro de 2026, visto que o TCU já está realizando as últimas sessões do ano e que o plenário reúne-se somente uma vez por semana.
E há ainda uma questão política envolvida: há a possibilidade que Costa Filho deixe o ministério para se lançar candidato ao Senado em 2026. Uma vez que o Tecon Santos 10 é a joia da coroa de sua gestão, certamente não seria de seu agrado que o leilão fosse realizado na gestão de um novo ministro.
O prazo para deixar o cargo é de seis meses antes das eleições, marcadas para 4 de outubro de 2026.
Fonte: JOTA
