CEO da Braspress diz que Brasil pode ter ‘apagão logístico’

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Fundada em 1977, a Braspress é uma das maiores transportadoras de encomendas expressas do Brasil. De acordo com a empresa, a operação conta com 1.300 motoristas e 114 pontos de atendimento no País. Além disso, a frota própria tem cerca de 3 mil veículos.

Fundador da Braspress, Urubatan Helou é conhecido por criar tendências no mercado brasileiro. Nesse sentido, na década de 1990 o empresário passou a contratar mulheres para dirigir seus caminhões, por exemplo. Ou seja, algo pouco comum até mesmo atualmente.

Segundo Helou, um dos segredos do sucesso é a valorização do motorista. Assim, ele afirma que nenhum carreteiro que trabalha para sua empresa fica mais de 48 horas longe de casa.

Helou recebeu o Estradão na sede da Braspress, em Guarulhos, na grande São Paulo, para uma entrevista exclusiva. Ele falou sobre as tendências do setor transporte rodoviário de carga. Bem como sobre a necessidade da redução das emissões, renovação de frota e valor do frete.

Mulheres no transporte rodoviário
Um dos assuntos que preocupa o setor é a falta de motorista. Nesse sentido, pesquisas mostram que não existe renovação de mão de obra. Como o senhor vê essa questão?

A falta de motorista não é um assunto novo. É um tema que preocupa o setor desde a década de 1980, quando começou a faltar motorista qualificado no mercado. Naquele período, bastava o cidadão ter CNH na categoria que ele já podia dirigir caminhão. E aí chegamos ao ponto de ter motoristas irresponsáveis trabalhando. Tanto é que a gente pintava os pneus do caminhão de amarelo para saber como ele voltaria da viagem.

Por isso que o senhor começou a trazer mulheres para a empresa para dirigir caminhão?

Sim. Em 1998 eu fiz uma viagem para New Orleans, nos Estados Unidos. Enquanto eu esperava o táxi para me levar ao aeroporto me deparei com um ônibus articulado rodando em uma região cheia de bares de jazz e blues e com pessoas andando pelas ruas estreitas. E esse veículo fez uma manobra de uma maneira tão cuidadosa e excepcional que me chamou a atenção.

O ônibus parou e os passageiros começaram a descer. Enquanto isso, eu fui rapidamente falar com o motorista para saber que tipo de capacitação ele havia feito.

Então, foi quando me deparei com uma jovem mulher, de aproximadamente 23, 24 anos. E aquilo me encantou. E fiquei até desarticulado, porque até então, na minha cabeça, motorista tinha que ser homem.

Virada de chave
Então foi quando o senhor mudou de conceito?

Isso mesmo. Tanto é que horas depois desse episódio, já dentro do avião, comecei a pensar como poderia levar isso para o Brasil. Em outras palavras, como poderia implementar isso na minha empresa. Afinal, somos uma empresa de encomendas, com forte atuação em shoppings, galerias, boutiques. Ou seja, lojas onde há a presença de muitas mulheres.

Dessa forma, na semana que eu cheguei desta viagem já conversei com a diretoria, o pessoal do RH, a fim de saber como poderíamos ter mulheres motoristas nas nossas operações. Também era uma forma de desmistificar o preconceito que a sociedade tinha em relação ao motorista. E duas semanas depois fizemos a nossa primeira contratação de uma mulher.

Mudança de comportamento
Foi fácil encontrar mulheres aptas para a atividade? E a receptividade dos colegas com essa novidade?

Conseguimos encontrar mulheres. Mas e o preconceito dos colegas? Foi com aquelas frases do tipo “vai pilotar fogão”, “vai conduzir panela”. Mas na hora que o gerente de frota solicitava a capacitação, como de direção defensiva ou direção econômica, todos corriam. Alegavam que não precisavam porque já sabiam dirigir.

Porém, as mulheres compareciam. Estavam sempre interessadas e atentas às datas e horários da capacitação. Outra coisa: quando a gente abria a cabine do caminhão da motorista, era organizada, limpa e perfumada. Diferente da cabine dos caminhões dos homens. A durabilidade da pastilha de freios era 50% maior no caminhão das mulheres. Sem mencionar que nunca precisei pintar um pneu dos caminhões delas.

Enfim, a qualidade subiu. E os homens começaram a mudar o comportamento. Começaram a se interessar pela capacitação oferecida pela Braspress. Além disso, parei de pintar pneus e as paradas para manutenção reduziram. Além disso, a higiene interna das cabines dos caminhões também melhorou.

Quantas mulheres hoje trabalham como motoristas na Braspress?

Hoje temos cerca de 30% de motoristas mulheres. Mas na época que a Braspress começou a fazer a contratação delas, até propaganda em ônibus fizemos. Hoje isso seria exclusão.

Seja como for, paralelamente à contratação das mulheres, preparamos a empresa e nossas filiais para recebê-las. E atualmente temos motoristas com atuação no transporte urbano como rodoviárias, condutoras de bitrem.

Por isso, acredito que as mulheres podem sim resolver o problema da falta de motoristas que hoje temos no Brasil. Mas outras ações devem ser feitas.

Motorista de caminhão como protagonista
Nesse sentido, o que o senhor acha que está afetando a questão da renovação de motoristas?

Como eu disse, isso não vem de agora. No começo dos anos 1980, o roubo de cargas se acentuou no Brasil. E teve uma escalada, com roubos violentos, com motoristas sendo assassinados. E começa a afetar a sucessão. Além disso, a urbanização começa a conspirar com essa decisão. Ou seja, o filho do motorista não quer ter a profissão do pai, onde há uma série de incertezas. Ele vai estudar para ter outra profissão.

Assim, chegamos a atual realidade em que a idade média do motorista gira em torno de 52 a 54 anos. Dessa forma, nos próximos 10 anos, 60% desses motoristas vão se aposentar.

E como não há reposição desses profissionais, o TRC pode ser impactado.

Sim, com isso podemos ter um apagão logístico no País. E as estatísticas já mostram isso. Então, não podemos ficar com um discurso vago. E o primeiro ponto é que temos, como empresários, de reconhecer que o motorista é o principal profissional da área de transporte.

Plano de carreira
O senhor acha que o TRC não reconhece o motorista?

Eu tenho certeza que o TRC não reconhece. A maioria das empresas de transporte, reitero, a maioria, não todas, querem pagar R$ 4 mil para o motorista. E essas empresas não estão nem aí para o regime de horas trabalhadas.

Nós criamos na Braspress alguns mecanismos que estão atraindo motoristas, porque temos planos de carreira. Para atrair as mulheres, temos o programa Rainhas do Volante, em que a gente financia a CNH. Mas também, por meio de métricas da telemetria, classificamos todos os motoristas como bronze, prata, ouro e diamante. Isso tem a ver com o rendimento deles.

Dessa forma, 50% dos motoristas são ranqueados. E um motorista carreteiro de nível bronze chega a ganhar R$ 8,5 mil. E o diamante ganha o dobro. Por essa razão, o motorista urbano almeja trabalhar como condutor rodoviário.

Mas o mais fundamental disso é o reconhecimento que criamos em torno da imagem do motorista. E a cada trimestre esses condutores ranqueados ganham prêmios. E parte desses prêmios, em cheque, mandamos para a família, para que saibam o quanto o motorista é importante para a nossa atividade.

Por fim, nenhum motorista carreteiro que trabalha na Braspress fica dias sem ir para casa. Pelo contrário, ele não fica fora mais de 48 horas. E isso tem a ver com a valorização dele em casa, com a família.

Caminhoneiro autônomo
Mas também precisa ter um movimento por parte do TRC para valorizar o autônomo.

Essa é uma classe em extinção. Eu diria que o motorista autônomo está fazendo uma autofagia. Ou seja, tá comendo parte do pneu, parte do motor. Porque o que ele recebe de vale-frete é insuficiente para ele ter um caminhão decente ou mesmo em linha com a tecnologia atual.

Ao longo do tempo vamos perceber que o caminhoneiro autônomo vai diminuir. E isso vai trazer consequências muito sérias. Estamos precarizando de forma acelerada o processo logístico nacional.

De alguma forma esse boom do e-commerce colaborou com essa precarização?

É proibido transportar mercadorias em carro particular. Agora, acredito que os órgãos reguladores precisam fiscalizar. Não pode só fiscalizar o que já é regular. Esses órgãos precisam mesmo atuar.

O número de autônomos é expressivo. O senhor vê saída? Quais?

Minha opinião é simplista, mas a implementação é extremamente complexa. Por que o frete do autônomo é baixo? Porque as tarifas praticadas no mercado brasileiro são muito baixas e as transportadoras não conseguem repassar para os autônomos um valor de frete maior.

Por isso, é preciso uma conscientização empresarial de que a concorrência predatória pode até te garantir o pão hoje. Mas amanhã é possível que não se tenha nada para comer. Nesse sentido, pega o ranking das maiores transportadoras de 20, 30 anos atrás e compara com o ranking de hoje. Não existe mais nenhuma do passado.

O que eu pago de insumos, o meu concorrente também paga. A grande diferença é saber administrar bem a carteira comercial. Ou seja, suas tarifas. E isso necessita de especialização, focar em uma especialidade de transporte. Fazendo isso é possível garantir rentabilidade e repassar um bom frete ao motorista.

Em outras palavras, não adianta ficar pedindo para entidades de classe. É o empresário que tem que trabalhar pelo seu frete.

Saúde financeira
Mas criou-se uma situação no mercado, onde muitas transportadoras recebem o frete do embarcador depois de 90, 120 dias. E ainda essas transportadoras têm que repassar cerca de 60% do valor do frete ao caminhoneiro na viagem de ida. Como manter a saúde financeira?

Muda de cliente, perde o cliente. Aqui na Braspress se o cliente contratou o frete ele tem que pagar. Eu não sou banco. Se o embarcador quiser pagar em 120 dias, ele terá que pagar ao banco. Para a Braspress ele paga em dia. Porque o poder de decisão está nas mãos do transportador. E se ele tem essa atitude, sobra para o motorista. Sobra para o funcionário da transportadora que ganha salário baixo.

Por isso que se explica o fato de que grandes empresas de transporte há 25 anos, hoje não existem mais. Aliás, por causa disso, eu criei o Urbano Bank. Porque se o embarcador quiser me pagar daqui 120 dias, ele pode pegar emprestado lá no meu banco. Mas se ele não quiser me ajudar, pode pedir emprestado nos outros bancos do mercado.

Descarbonização
Para o senhor como seria um plano eficiente de renovação de frota?

Tem muito caminhão de 40 anos rodando e o cidadão não tem como trocar esse caminhão. E neste caso deveria existir uma política de renovação de frota. Por outro lado, também deveria haver uma política de renovação de frota, mas trocando os veículos a combustíveis fósseis por alternativos.

Porém, não existem políticas de incentivos à mudança da fonte de energia. O caminhão elétrico para os centros urbanos seria o indicado. Mas esse caminhão custa um absurdo. O que ocorre é que os estados do mundo todo têm deixado essa questão da descarbonização para a iniciativa privada. Ocorre que isso deveria ser uma política de governo. Assim, é possível mudar.

Dessa forma, o empresário poderia ter incentivos para a aquisição desses veículos. Enquanto a indústria deveria ser desonerada para produzir veículos mais limpos até ter escala.

O senhor acredita em outros combustíveis alternativos ao diesel, além do caminhão elétrico?

Acredito só no gás. Não tenho veículo a gás, mas pretendo ter. Ou seja, o que temos hoje de forma prática é o elétrico para as operações urbanas e o gás para médias e longas distâncias rodoviárias.

O senhor já tem cerca de 30 caminhões elétricos na frota da Braspress e quer estender para 50. O que o senhor está achando desses veículos?

Se pudéssemos trocaríamos 100% da frota de caminhões urbanos diesel por elétricos. Em outras palavras, do ponto de vista mecânico e operacional, os caminhões elétricos são mais rentáveis. Todavia, o pênalti é não ter valor de revenda. Ninguém vai comprar um caminhão elétrico com cinco anos de uso porque não sabe o que vai acontecer com as baterias.

Fonte: Estradão – https://estradao.estadao.com.br/caminhoes/ceo-da-braspress-diz-que-brasil-pode-ter-apagao-logistico/