A Reforma Tributária deve iniciar a fase de testes em 2026, mas especialistas afirmam que as transportadoras não podem esperar o ano virar para começar a adaptação. A avaliação foi feita em uma live promovida por Praxio e KMM, ambas empresas da nstech, que reuniu profissionais das áreas fiscal e tributária e executivos da Rumo Brasil.
O grupo reforçou que as mudanças, embora graduais, exigem ajustes imediatos em tecnologia, processos e contratos para evitar riscos fiscais e operacionais. Durante o encontro, os especialistas explicaram que a reforma unifica tributos sobre consumo por meio do IVA dual, composto pelo IBS (estadual e municipal) e pela CBS (federal), que substituirão ICMS, ISS, PIS e COFINS.
Segundo o Tech Lead da Praxio, Maurício Consani, a Reforma Tributária altera estruturalmente a forma de tributação sobre consumo e exige preparação antecipada. “A gente vê ainda algumas pessoas que não estão muito preocupadas porque é 2027 e 2026 só é teste. Mas quem não começou a se preparar, agora é a hora”, alertou.
Ao explicar o princípio da reforma, Consani detalhou que o modelo atual é fragmentado e complexo. “A proposta da Reforma Tributária é alterar a forma com que os tributos são cobrados e administrados. Uma mudança muito grande, tanto para nós, contribuintes, quanto para o governo. E ela prevê a unificação dos principais tributos que são relacionados ao consumo de bens e serviços.”
O executivo também enfatizou a multiplicidade de regras hoje existentes. “Atualmente, tem 26 estados mais o Distrito Federal, então são 27 regras. Se a gente multiplicar isso por três, dá um volume de regras absurdo — fora as regras municipais também”, disse.
Segundo a especialista tributária da KMM, Marilene Ferreira, ainda há muita confusão sobre como a IBS funcionará na prática. “Tem a seguinte questão: ‘mas quando inicia meu transporte em outro estado, vai seguir a mesma tributação da minha nota fiscal?’ É totalmente diferente. Como o Maurício falou, são 27 estados, cada um com sua regra. Já a reforma traz uma simplificação: vamos ter o IVA, que é a soma do IBS e da CBS”, esclareceu.
Ela ainda explicou que o IBS será sempre de competência conjunta. “E desse IBS, ele vai estar em conjunto entre município e estado. Então vai ser da competência dos dois”, ressaltou.
APURAÇÃO ASSISTIDA E AUMENTO DA RESPONSABILIDADE
Além da mudança conceitual, os especialistas ressaltaram a apuração assistida como um dos pontos de maior impacto. A Receita Federal passará a gerar automaticamente a apuração do contribuinte.
Marilene Ferreira explicou que ajustes manuais deixam de existir na nova lógica. “Hoje, quando precisamos fazer ajustes de débitos ou créditos na apuração, conseguimos lançar isso manualmente no sistema. Na apuração assistida, esses ajustes serão feitos por meio de eventos nos documentos fiscais ou por notas de débito e crédito”, analisou.
A especialista também ressaltou a necessidade de maior rigor na emissão e no recebimento. “Hoje, se chega um documento errado, muitas vezes a gente acerta na apuração ou faz um ajuste. No novo modelo, como tudo é eletrônico, o documento precisa vir certo — e a emissão também precisa ser correta”, ressaltou a especialista tributária.
Esse novo modelo também cria uma relação de vigilância obrigatória entre empresas da cadeia. Para o diretor-executivo da Rumo Brasil, Rafael Brito, essa mudança exige outra dinâmica de gestão. Segundo ele, o novo sistema faz com que cada empresa acompanhe o comportamento fiscal da outra. “Agora o Fisco realmente colocou um contribuinte para cuidar do outro”, disse.
Rafael explicou que, a partir da apuração assistida e do portal de conformidade, as empresas passam a monitorar se fornecedores emitiram, classificaram e enviaram corretamente os documentos fiscais. “Nós passaremos a ser analistas do que os nossos fornecedores fizeram e, assim, sucessivamente, os nossos clientes também farão essa fiscalização”, esclareceu.
SPLIT PAYMENT DEVE PRESSIONAR O CAIXA DAS EMPRESAS
O split payment, que passa a valer em 2027, também foi apontado como um divisor de águas. Maurício Consani explicou que o mecanismo altera completamente a forma de recolhimento do tributo. “Podemos dizer que o split repayment é uma mudança radical na forma de recolhimento do tributo”.
Ele detalhou que a operação passa a dividir automaticamente o valor devido ao governo. “Aqui vai acontecer o split, é justamente a divisão, no momento em que você for fazer o pagamento, uma parte vai para o governo imediatamente e vai o líquido para o fornecedor”, completou.
Maurício exemplificou o impacto financeiro da mudança, com um exemplo de uma compra de R$1.000, com a tributação pagará R$ 1.280. “Os R$ 280 já vão para o cofre público e os R$ 1.000 vão para o fornecedor, já como valor líquido. Essa é a mudança radical que vai ter, porque isso acontece no momento em que você faz a movimentação financeira”, afirmou.
O Head of Tax da Rumo Brasil, Alex Morais, explicou que o split payment trará impactos significativos no fluxo de caixa, especialmente para pequenas e médias empresas. Segundo ele, o novo modelo elimina a prática comum de utilizar o valor bruto da nota como capital de giro.
“Hoje, muitas empresas usam esse valor para fluxo de caixa por alguns dias. Como o split traz essa separação com o valor já líquido, então esse tributo sendo retido imediatamente o cliente deixaria de ter essa possibilidade de tratar esse valor ali já no seu planejamento de fluxo de caixa. Não consegue ter mais esse capital de giro”.
Ele reforçou que a retirada do imposto no momento do pagamento afeta diretamente quem opera com margens apertadas. “Inicialmente, as empresas pequenas e médias têm esse impacto significativo por dependerem, novamente, desse valor bruto para poder pagar seus fornecedores e suas despesas”, ressaltou.
As mudanças na subcontratação também foram citadas como uma preocupação. Rafael Brito explicou que estudos feitos pela empresa mostram um alto nível de informalidade documental no setor.
“Há três meses, nós fizemos um levantamento na nossa base de clientes e apenas 20% das empresas subcontratadas emitem o contra-CTE contra os nossos clientes que são do agenciamento, apenas 20%. Isso quer dizer que 80% daquelas empresas não fazem a emissão do seu documento fiscal”, disse.
Rafael destacou que, com a Reforma Tributária, a tomada de crédito passa a depender exclusivamente de documento fiscal válido. “A partir dela, só posso fazer a tomada de créditos baseada em documento fiscal. Até então, nas operações com subcontratações, nós poderíamos fazer a tomada de crédito através de contratos de frete. A partir da reforma, apenas documento”, detalhou.
Para agregados, o cenário é semelhante. Alex Morais explicou que o crédito só será liberado se toda a operação estiver completa e documentada. Segundo o especialista, no caso dos agregados, a transportadora precisa comprovar que a operação foi completa. “Para que ela seja completa, basicamente precisa do CTE emitido corretamente, garantir eventos fiscais registrados no sistema oficial e, por fim, a rastreabilidade da entrega”, pontuou.
Alex alertou ainda sobre o impacto financeiro da perda de crédito. “Faltando qualquer etapa, infelizmente, a gente tem uma situação em que o crédito passa a ser bloqueado. E, como vimos, a questão do crédito afeta diretamente o financeiro da empresa, então um crédito bloqueado pode realmente significar uma situação bem crítica”.
BENEFÍCIOS FISCAIS DEIXARÃO DE EXISTIR
Os especialistas também alertaram que os benefícios fiscais do ICMS deixarão de existir à medida que o imposto for substituído. Segundo Marilene Ferreira, especialista tributária da KMM, os benefícios fiscais que temos hoje no ICMS serão extintos juntamente com a extinção do próprio ICMS, que começa em 2029. Pela lei complementar, no transporte, o benefício que permanece é a imunidade na exportação.
Segundo ela, existem ainda outros mecanismos — como base reduzida e diferimento — mas com conceitos muito diferentes do que temos no ICMS. “Então, os benefícios continuam existindo, mas nem todos vão se aplicar ao transporte”, reforçou.
Para orientar a adaptação, Rafael Brito apresentou cinco ações imediatas que as empresas precisam iniciar antes de 2026. “O tópico número um — e quem não começou já está atrasado — é a revisão dos contratos. O ponto número dois é a adequação tecnológica de TMS e ERPs, deixar tudo pronto. O ponto número três é a gestão de fornecedores e agregados; a gente tem falado até em criar checklists de compliance. O ponto número quatro é o planejamento financeiro. E, por último, mas não menos importante, o treinamento da equipe”, esclareceu.
Rafael reforçou que a mudança ultrapassa o departamento fiscal. De acordo com o executivo, a Reforma Tributária não é mais assunto apenas para o contador e as áreas administrativas das transportadoras. “A Reforma Tributária vai mudar o modus operandi de todo o segmento”, alertou.
Os sistemas da Praxio e da KMM já estão preparados para as novas regras. Maurício Consani alertou para a necessidade de homologação antecipada. “A partir de janeiro, se você não emitir com a TAG, acho que no princípio você não vai ser barrado, seu documento vai ser validado, mas você corre o risco de ser autuado”, pontuou.
Segundo Maurício, é muito importante estar com o sistema atualizado, já emitindo os documentos fiscais e com as novas regras para não correr riscos. Ele acrescentou que muitos embarcadores já estão solicitando documentos configurados conforme a Reforma Tributária.
“Alguns clientes nos pedem assim: ‘Preciso emitir o documento porque o nosso cliente está solicitando o CTE já com a nova regra, mesmo que em ambiente de homologação’. Para ter certeza de que vai chegar em janeiro e receber o CTE já com as novas tags”, disse.
Fonte: Mundo Logística
