Como previsto e alertado por diversas entidades e órgãos de trânsito, as rodovias federais do Brasil estão com a fiscalização eletrônica de velocidade desativada desde o dia 1º de agosto de 2025 (sexta-feira) devido ao corte de recursos orçamentários do governo federal para o setor de segurança viária. A medida, que já era temida, submete motoristas e passageiros à própria sorte em um País onde a sinistralidade no trânsito continua a aumentar, resultando em pelo menos 34 mil mortes por ano, 1 mil feridos e 200 mil mutilados ou com sequelas.
Mais um gesto do governo federal que demonstra que a segurança viária, que deveria ser prioridade, foi relegada a segundo plano, gerando grande preocupação e protestos entre especialistas. A descontinuidade dos contratos de manutenção da fiscalização de velocidade deverá gerar ações judiciais contra o Ministério dos Transportes (MTE), como já alertado pela Associação Brasileira das Empresas de Engenharia de Tráfego (Abeetrans). Segundo a entidade, se não houver uma solução para o religamento dos radares de velocidade até esta terça-feira (5/8), a Justiça será acionada.
A suspensão do controle de velocidade é uma consequência direta da insuficiência de recursos destinados ao Programa Nacional de Controle Eletrônico de Velocidade (PNCV). O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), órgão que gerencia as BRs, havia alertado as autoridades sobre o risco iminente. Os recursos previstos para o PNCV foram reduzidos em 88% em relação ao valor considerado necessário para 2025.
Inicialmente, o programa demandaria cerca de R$ 364,1 milhões para o ano de 2025. No entanto, a Lei Orçamentária Anual (LOA) 2025 destinou apenas R$ 43,3 milhões para a Ação 2036 – Controle de Trânsito na Malha Rodoviária Federal. Mesmo com uma estimativa de custo de R$ 164,5 milhões para a manutenção dos contratos de radares em 2025, os recursos disponíveis, incluindo Restos a Pagar e suplementações em tramitação, somam apenas R$ 79,6 milhões.
Essa defasagem orçamentária tornou inevitável a paralisação integral dos contratos do PNCV, que fiscaliza 47 mil dos 65 mil quilômetros de BRs no País. O DNIT vem debatendo essa situação há quase um ano, com discussões que incluíram tentativas de inserir o PNCV no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O órgão chegou a afirmar que o governo federal iria reverter a situação, mas não conseguiu. E, sobre o efetivo desligamento dos equipamentos, o DNIT não deu retorno ao JC nesta segunda (4). Ao mesmo tempo, o MTE orientou que a reportagem procurasse o órgão diretamente.
ESPECIALISTAS ALERTAM PARA AGRAVAMENTO DA CRISE NA SEGURANÇA VIÁRIA
A notícia da paralisação dos radares gerou uma onda de preocupação entre as entidades ligadas à segurança no trânsito. A Abeetrans e a Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) se posicionaram veementemente contra a medida.
* Radares essenciais: Para a ABEETRANS e Senatran, os radares são fundamentais para a segurança viária e para conter o aumento de sinistros de trânsito. Dados recentes já indicam um aumento na totalidade de sinistros nas rodovias federais.
* Metas do PNATRans ameaçadas: A Senatran, órgão máximo executivo de trânsito da União, alertou que o PNCV é um instrumento imprescindível para o cumprimento das metas do Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (PNATRans), que visa reduzir em 50% as mortes e lesões no trânsito até 2030. A fiscalização de velocidade é uma ação central do Pilar 6 do PNATRans, combatendo o excesso de velocidade, apontado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um dos principais fatores de letalidade no trânsito.
* Impacto econômico: Além do custo humano, a Senatran destaca o custo socioeconômico dos sinistros. Um estudo do IPEA de 2014 estimou que os sinistros em rodovias federais geraram R$ 12,8 bilhões à sociedade naquele ano. Corrigindo para dezembro de 2024, esse custo chegaria a R$ 22,6 bilhões.
Em comparação, a dotação atual do DNIT para os radares (R$ 43,6 milhões) representa menos de 0,2% desse custo, evidenciando que a manutenção e o incremento dos recursos do PNCV são economicamente justificáveis e imperiosos para preservar vidas.
Sílvio Médici, presidente executivo da Abeetrans, ressaltou que as medidas de manutenção sugeridas pelo DNIT não resolverão o problema da insegurança, pois “é impossível proteger quem trafega sem os radares operando integralmente”.
MEDIDAS PALIATIVAS E AMEAÇA DE AÇÕES JUDICIAIS
Diante da iminência da paralisação do PNCV, o DNIT orientou suas superintendências regionais a adotar algumas medidas de engenharia de tráfego paliativas para tentar minimizar a insegurança rodoviária. Entre as medidas sugeridas estão:
– Melhoria da sinalização horizontal e vertical.
– Parceria com municípios e estados para melhoria da iluminação pública.
– Campanhas educativas em parceria com a Polícia Rodoviária Federal (PRF).
– Solicitação à PRF para utilização de radares móveis em trechos mais críticos.
– Melhoria da condição do pavimento por meio de manutenções preventivas.
– Criação de faixas de canalização, aceleração e desaceleração.
– Implementação de elementos do Manual Brasileiro de Trânsito Volume VI, como ondulações transversais, faixas elevadas para travessia de pedestres, sonorizadores, pavimentos coloridos, revestimentos rugosos e microfresados.
– Sinalização Avançada.
– Uso de plataformas de passagem de pedestres e construção de passarelas em rodovias duplicadas.
– Implementação de rotatórias em trechos com cruzamentos em pista simples.
– Separação de pistas para evitar colisões frontais e implantação de faixa adicional para facilitar ultrapassagens em declives acentuados.
– Passagem de Fauna.
– Implantação de ciclovias para segregar bicicletas e veículos.
Apesar dessas propostas, a preocupação central persiste, pois os radares são considerados um pilar insubstituível na prevenção de sinistros de trânsito e na garantia da segurança rodoviária.
A gravidade da situação levou a ABEETRANS a anunciar que planeja acionar o governo federal judicialmente se o cancelamento do PNCV não for revisto. A Senatran também alertou para a possibilidade de ações judiciais por parte da sociedade, o que poderia levar à responsabilização das autoridades.
O DNIT, na época em que o corte de recursos foi descoberto, garantiu que está trabalhando internamente com o Ministério dos Transportes e a Casa Civil para garantir os recursos necessários e manter as atividades de fiscalização eletrônica, tratando a situação como um “ajuste orçamentário pontual”. No entanto, a desativação dos radares já é uma realidade, colocando em risco a vida de milhares de brasileiros nas estradas federais.
Fonte: JC UOL